segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

        Resenha do livro “A escola e o conhecimento”, de Mario Sergio Cortella, 7ª Edição, Ed. Cortez, 2003.

        “O ser humano é um cadáver adiado”, disse, em certa ocasião, Fernando Pessoa. A razão pela qual esta frase nos parece imensamente trágica é que, muito provavelmente, ela nos remete à ideia de falta de sentido de nossa existência, que vez por outra acomete muitos – se não todos – de nós. A discussão em torno deste tema e, mais especificamente, do sentido de nosso fazer pedagógico, é central no livro “A escola e o conhecimento”. O que o autor pretende levantar é que nós somos movidos por sentido, e que sem ele não há conhecimento.
        Acompanhando a citação de Pessoa, vem uma reflexão sobre a seguinte frase de Albert Camus: “O homem é a única criatura que se recusa a ser o que ela é.” Em outros termos, esta inconformidade traduz nosso desejo de não repetir padrões, de criar, de transformar. “Somos construtores de sentido porque somos construtores de nós mesmos”, dirá o próprio Cortella.
        A partir de tais elaborações existenciais, o livro se desenvolve analisando dois paradigmas radicalmente distintos quanto ao conhecimento, visto como descoberta ou como construção. A primeira concepção tem sua origem em Platão, na sua ideia da existência de dois mundos: o mundo sensível, este em que vivemos, e o mundo inteligível, onde se encontram as formas ideais, e do qual nos lembramos em parte. Para Platão, conhecer era sinônimo de descobrir a Verdade escondida no sujeito e velada no objeto. Com sutis alterações, a visão platônica permanece entre nós até hoje.
        O conhecimento é encarado como construção quando levamos em conta o processo para que se chegue às momentâneas verdades científicas, quando percebemos o quanto elas são históricas, tributárias de seu tempo, quando desvelamos a ideologia que as motivou ou que subjaz a elas. A verdade, neste paradigma, não está escondida no sujeito, nem velada no objeto, mas está presente na relação entre o sujeito (sempre social) e o objeto (sempre histórico). O ato de decorar, tão próprio do paradigma da descoberta, contrasta com a proposta de que partamos daquilo que preocupa (no sentido de ocupar previamente os corações e mentes) os Alunos. O conteúdo todo deve ser repensado!
        Chega-se, então, à consequência prática, sobre as concepções de relação entre escola e sociedade, das diferentes visões epistemológicas que o livro enfoca. Do conhecimento como descoberta derivam duas concepções: a do “otimismo ingênuo”, que considera que, uma vez que o saber seja descoberto pelos Estudantes, todos os problemas econômicos e sociais estarão resolvidos; e o “pessimismo ingênuo”, que vê no saber a ser descoberto um instrumento de dominação de classes, inexoravelmente. Do conhecimento como construção nasce outra concepção da mesma relação: aquela que vê na escola um espaço de embate, das mesmas disputas que se dão na sociedade, e que permite o crescimento e a transformação, ou a perpetuação do que já existe. É o chamado “otimismo crítico”.
        Cortella chama a atenção, ao longo de todo o livro, para a “recusa à ditadura dos fatos consumados”, a negação da naturalização do que é histórico, a importância de que acabemos com o “porque é assim!” Não tem que ser assim! Devemos buscar o que é autenticamente tradicional na prática didática, como a relevância dos conteúdos e do papel dos Educadores, e afastarmo-nos do arcaico, das práticas empoeiradas. Precisamos resgatar nosso espaço de verdadeira liberdade, que acaba quando acaba a do outro, e não quando ela começa. Precisamos criar e construir, para que todos nos realizemos humanamente.
        Cá entre nós...
        Trazendo as reflexões de Mario Sergio Cortella para nosso âmbito, diria que a síntese que ele faz do que seria a verdadeira democratização do saber – sólida base científica, formação crítica de cidadania e solidariedade de classe social – para a escola pública aplica-se, em certo sentido, perfeitamente a nós. Quando o Padre Lauro fala em formar para a competência e não para a competição, e em agentes de transformação social, creio que seja nisto que ele pensa. Nosso grande desafio, em 2013, será refletir sobre as condições que precisamos desenvolver para atingir tais metas. Assim seja!

Helcio Alvim

Nenhum comentário:

Postar um comentário